O isolamento social, para conter a pandemia do novo coronavírus (Covid-19), é um problema para milhares de professores que não têm como manter a rotina do ensino letivo presencial.
A solução encontrada pelos governos, de determinar o Ensino a Distância (EaD) sem assegurar condições para implementação, está colocando em risco o direito constitucional ao ensino das crianças e jovens do país, pois não leva em consideração que somos um país de maioria pobre, portanto, sem condições de comprar um computador, um telefone inteligente ou adquirir um plano de acesso à Internet.
As autoridades da área da Educação também não levaram em conta o fato dos pais e mães que precisam trabalhar home office, se preocupar com o vírus e ainda ajudar os filhos em casa que, em geral, têm apenas um computador, quando têm.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) é terminantemente contra qualquer formação à distância na educação básica, especialmente se as redes de ensino não asseguram condições para implementar o EaD, ainda que em caráter emergencial. Se isso ocorrer, é preciso seguir as regras estabelecidas no Decreto 9.057, de 25.05.2017, que exige a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliações compatíveis, entre outros itens.
“A educação básica, já diz o termo, é a base fundamental para o estudante, que precisa ter todo um conjunto de fatores, que vai desde a relação com os profissionais da educação, o convívio na escola, a confrontação de ideias e pensamentos. A escola tem como primeiro desafio a formação do ser humano, depois do cidadão e cidadã e depois do profissional”, diz o secretário de Assuntos Educacionais da CNTE, Gilmar Soares Ferreira.
De acordo com ele, caso as exigências legais e normativas que regulam a oferta de EaD não sejam atendidas, essas atividades não poderão ser computadas no ano letivo das escolas, como diz trecho do documento da entidade sobre o assunto.
A CNTE também aponta a importância do diálogo com a comunidade escolar e os profissionais da educação, para viabilizar o acesso estudantil e a qualidade do ensino ministrado pelos profissionais, sem comprometer as medidas de isolamento social.
Segundo a entidade, são mais de 55 milhões de pessoas convivendo diariamente nas escolas públicas e particulares do Brasil. E todos devem estar envolvidos num eventual processo emergencial de EaD, além de ter plenas condições para formular e acessar os conteúdos didáticos, sem precisar sair de casa.
“O ensino a distância só atende os interesses da iniciativa privada, da mercantilização do ensino e da privatização da educação básica, que é extremamente maléfico para formação do ser humano que as famílias tanto necessitam”, completa Gilmar Soares Ferreira
EaD ou exclusão do ensino?
Se todos esses fatores citados pela CNTE não forem levados em consideração, o Ensino a Distância se transforma em exclusão. Os governos Federal, Estadual e Municipal ignoram a realidade e excluem deste formato 39% dos domicílios brasileiros que não têm acesso à internet por falta de computador, segundo uma pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), que auxilia o Comitê Gestor da Internet no Brasil na implementação de projetos e decisões.
No Paraná, por exemplo, as escolas têm organizado doação dos produtos da alimentação escolar para as famílias cadastradas no Bolsa Família e têm usado essa situação de vulnerabilidade social para informar ou entregar o material das aulas para aqueles que não têm acesso à tecnologia, de acordo com a secretária de Finanças da APP-Sindicato, Walkiria Olegário Mazeto.
Segundo a secretária, nem todas as famílias que não têm acesso a tecnologia vai a escola buscar o kit de alimentos, o que significa que inúmeras famílias ainda não tiveram acesso ao material impresso e estão excluídas do EAD no estado.
“O alto percentual de famílias sem acesso à Internet ou com pacote de dados pré-pagos sem capacidade de utilizar os aplicativos obrigatórios gera uma exclusão do acesso à educação pública de qualidade. A solução de entrega de material impresso, para suprir essa ausência, expõe trabalhadores da educação e famílias a quebra do isolamento social e o aumento do risco de contagio neste momento de pandemia”, afirmou Walkiria.
O drama das famílias
A falta de equipamentos, as dificuldades das famílias e o desinteresse dos alunos em participar das aulas a distância excluiu, só no Paraná, em média 20% dos estudantes do EaD, implantado pelo governo de Ratinho Júnior, segundo a APP Sindicato.
Ouvidas pela reportagem do Portal CUT, mães e professoras acrescentam outros problemas a essa lista. Todas consideram o isolamento social essencial para preservar vidas durante a pandemia do novo coronavírus, mas dizem que, a quarentena tem trazido reflexões de vida e também desafios, problemas e medo.
Para a trabalhadora química desempregada, Leila Cristina, mãe solo de Rafael, que está no 7º ano de uma escola estadual de São Paulo, não está fácil equilibrar as tarefas do dia a dia e ainda seguir uma rotina de estudo com o filho que, mesmo sendo mais independente, ainda precisa de ajuda. Além disso, ainda tem o aplicativo que o Estado pediu para os pais baixarem, mas é muito pesado e o limite do seu aparelho de celular não permitiu o download.
“As aulas do 7º ano são iguais para todos da mesma série e não há separação de nível de aprendizado. Além disso, não há como fazer perguntas, caso existam dúvidas, e não existe interação entre os alunos. Como não baixei o aplicativo, Rafael tem assistido às aulas pelo Youtube”, explicou Leila, que durante a entrevista estava na fila do banco para receber a última parcela do seguro-desemprego.
Já para Edila Leiros, cuja filha cursa o 2º ano em escola particular, a insegurança e medo também estão presentes na nova rotina da família e isso atrapalha o EaD. Ela diz que já existe a tensão diária de ser contaminada com o vírus; o trabalho home Office, que está exigindo demais dela, e não sabe como fará para equilibrar tudo isso com as rotinas escolares.
“Todos os dias tem roteiros de estudos para que os pais e mães auxiliem seus filhos, além de acompanhar aulas ao vivo, fóruns de discussão e ainda entrega em dia das tarefas e eu tenho apenas um computador”, contou.
Em meio a tudo isso, estão os professores e as professoras
As professoras e os professores têm de tentar entender os problemas que os alunos mais carentes têm em casa, se preocupar com o conteúdo educativo e ainda precisam estudar e entender as plataformas digitais. Não há tempo para tantas tarefas.
“Tenho que fazer plano de aula semanal, com habilidades a serem trabalhadas, conteúdo, objetivos, roteiro e o passo a passo de como o aluno deve fazer a atividade. Além disso, preciso estudar os tutoriais das plataformas que a secretaria da educação está usando”, explicou a professora da rede estadual de ensino, Vanda Nunes Santana.
Ela contou que “em tempos normais” trabalha das 7hs às 16hs, tem uma hora de almoço e dois cafés de 15 minutos. Agora, no home office, não tem hora para parar e no fim de semana não para de chegar mensagem no grupo de gestão escolar.
Segundo Vanda, ela precisa fazer diário online e no papel e ainda tem que estar disponível para tirar dúvidas nos chats do aplicativo, que até agora não funcionou direito.
“Tivemos palestras online sobre ninguém deixar ninguém para trás, mas na prática a pressão é grande e ninguém está nem aí para os problemas que as pessoas têm. E ainda a presença é computada a partir da entrega de relatórios e questionários, o que é um absurdo, pois a semana passada o site travou e eu não consegui enviar o maldito questionário, mas é isso ou enfrentar 4 ônibus e ir trabalhar na escola”, contou Vanda, que é da categoria O e está com seu salário atrasado.
A professora de educação infantil, Paula Zivieri, disse que, além de enfrentar o medo de pegar o vírus, porque perdeu duas amigas e o marido de uma delas para a Covid-19, precisa fazer inúmeros cursos online e ainda tem que, a tempo, fazer tarefas solicitadas pela escola em que dá aula.
“Tudo isto está mexendo muito com o nosso emocional e com psicológico. É indignação e medo com tanta coisa que a gente está vivendo. E ainda fica mais difícil porque a gente não consegue focar em tudo e fica meio frustrada”, destaca Paula.
Ela conta que tem trabalhado com seus alunos de 4 e 5 anos pelo WhatsApp da escola, mas nem todos os pais quiseram participar do grupo. “Aí eu preciso mandar os conteúdos individualmente para esta mãe que não quis ou não pôde estar neste grupo”.
EAD adotado no Paraná
Há vários formatos de EAD adotados pelos estados, no Paraná o governo adotou um modelo híbrido, utiliza transmissão de aulas por canais de TV, que foram contratados para esta finalidade, pelo Youtube e por um aplicativo chamado Aula Paraná.
Após assistir as aulas, estudantes e professores devem interagir com atividades em aplicativos, no Aula Paraná e no Classroon (GOOGLE).
Sem efetividade
Segundo a dirigente da APP Sindicato, todo mundo está reclamando no Paraná. As mães por causa da dificuldade de acesso, de organização familiar para cumprir as exigências, a constatação da não aprendizagem pelos estudantes, seja ao assistir as aulas, seja pela leitura do material impresso entregue.
Já os educadores reclamam de tudo isso e se preocupam muitos com a efetividade do trabalho, da ampliação de jornada, do uso dos equipamentos, das pressões e ameaças para que incentivem os estudantes a participar.
“E nesse último período, começa a chegar a denúncia da pressão para que seja atribuído presença a todos estudantes, mesmo para aqueles que não acessaram nenhuma forma de aula. O Sindicato está orientando os trabalhadores e as trabalhadoras da educação, famílias e estudantes a realizar as denúncias das violações e ameaças. Insistimos ainda num debate com a Secretaria de Estado da Educação para que possamos apresentar proposta alternativa a esta, onde possamos ter um modelo includente e que garanta a efetiva aprendizagem dos estudantes”, contou Walkiria.
Direito a educação é de todos e todas
A Secretaria de Estado da Educação no Paraná redefiniu o calendário escolar e em entrevista na semana passada, a um canal de TV, o secretário Renato Feder afirmou que os estudantes que não acessarem as aulas não presenciais serão reprovados no ano letivo de 2020.
“Essa posição contraria as regulamentações emitidas pelo Conselho Estadual de Educação do Estado, que prevê retomada de conteúdos para os estudantes que não conseguirem acessar ou acompanhar as aulas não presenciais”, disse Walkiria.
Segundo ela, o sindicato continuará fazendo a defesa do direito da comunidade a uma educação de qualidade e caso a Secretaria de Estado da Educação mantenha sua posição de punição àqueles que, por motivos diversos, não tiveram condições de participar desse formato de aula não presencial. “Buscaremos todos os meios para garantir que, no pós pandemia, os estudantes possam ter o direito a reposição de aulas”.
Para Gilmar Soares Ferreira, o papel da entidade tem sido de esclarecer a questão de direitos do estudante aos 200 dias letivos e às 800 horas aulas, que precisam ser resguardados.
“Estamos apontando de que é preciso aguardar passar essa pandemia e no retorno dos profissionais, em condições seguras e seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Ministério da Educação (MEC) e dos sistemas de ensino, poderemos rediscutir as questões ligadas ao ano letivo”, contou.
“Não estão respeitando as questões das diferenças das minorias, escola indígena Quilombolas, a educação especial, os alunos portadores de deficiência, portanto não pode ser uma educação remota, não pode ser considerado dia letivo, uma vez que ele não assegura a universalidade do direito à educação”.
(Portal da CUT Brasil, 06/05/2020)