Professores e demais trabalhadores da educação terceirizados, escolas públicas entregues à gestão de organizações sociais privadas ou dos militares e educação a distância desde o ensino fundamental. "Um eventual governo de Jair Bolsonaro (PSL) será o caos, um salve-se quem puder", avalia o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), além de professor de Ciências e Matemática, Heleno Araújo.
Para chegar a essa conclusão, a entidade – que representa cerca de 4 milhões de profissionais da educação básica em todo o país – analisou as propostas para a educação dos candidatos à Presidente da República, Bolsonaro e Fernando Haddad (PT).
"Bolsonaro aprofunda todas as maldades proferidas nos últimos dois anos. Entre elas, a terceirização como forma de contratação de professores, e a adoção do ensino a distância já no ensino fundamental, o que é um desastre", diz Araújo. "Somos uma profissão que cuida das pessoas, da sua formação cidadã, em uma relação humana que tem de ter olho no olho, presença, construção coletiva dessa construção da cidadania."
Ao analisar a valorização da iniciativa privada pelo candidato e a omissão de propostas para o financiamento público da educação em seu plano de governo, o dirigente deduz que haverá espaço crescente para o empresariado.
"A perspectiva é que esse governo chegue ao ponto do botar dinheiro nas mãos das famílias, por meio de vauchers, o que é muito ruim, e entregar escolas às organizações sociais e ao setor privado, que está de olho nesse filão, para pegar dinheiro público para administrar escolas públicas baseadas em metas. É um modelo que o Chile adotou durante a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990) e que até hoje não conseguiu desfazer. Ele demitiu todos os professores todos os professores das escolas públicas e depois ofereceu dinheiro para que os pais pudessem pagar o ensino prestado por professores contratados de maneira precária."
Setor privado
Araújo chama atenção para o fato de, no Brasil, cada ente federativo ter sua autonomia e sua responsabilidade por etapas da educação. A responsabilidade da União é com a formulação das políticas públicas para todo o país e a obrigação de oferta de ensino superior. Já estados devem oferecer preferencialmente o ensino médio e aos municípios cabe a oferta do ensino infantil e fundamental.
"Sendo assim, o governo federal não pode demitir os professores da educação básica. Mas suas políticas nacionais podem ser formuladas para induzir os municípios e estados a entregar a escola pública para o setor privado, beneficiando as editoras estrangeiras, por exemplo, que estão por trás da nova base curricular que está em debate. Ou as organizações sociais, como já acontece em Goiás, e até em estados do Nordeste, como Paraíba, infelizmente".
O dirigente lamenta que até mesmo prefeituras e governos alinhados com a esquerda tenham o mesmo posicionamento da direita, de oferecer uma educação pautada exclusivamente por resultados. "A qualidade da educação não pode ser medida apenas pelas notas tiradas pelos estudantes em provas de matemática, português conjugadas com índices de aprovação, como é o Ideb. Mas pela formação cidadã, com a oferta de formação ampla aos estudantes, com geografia, história, ciências."
Salve-se quem puder
Um governo de ultradireita, como se desenha a candidatura Jair Bolsonaro, tende a ser ainda muito pior em relação a este aspecto, conforme o professor. "Será um salve-se quem puder. E como muitos de seus seguidores dizem, quem puder paga. Um caos para o país que defendemos como republicano. Uma República Federativa tem de ter políticas republicanas, que atendam a todos e todas de maneira igualitária e em um governo Bolsonaro jamais seria assim".
Além da gestão privada, por organizações sociais, outro caminho é a entrega aos militares, como já acontecendo em alguns estados, como Goiás, que ele considera um desastre para quem defende a formação de uma sociedade humana, solidária, e não competitiva.
"A educação tem um grande desafio pela frente e os professores devem no mínimo ler os programas de governo dos candidatos, pra depois ninguém reclamar e dizer que votou por engano, que não sabia que ia ser assim. É preciso ter essa clareza, somos profissionais da educação, temos a obrigação de fazer a leitura e de ter o conhecimento para não chegar no dia 28 e não ter a certeza do que um defende e do que faça o voto consciente, entendendo".
Apesar da perspectiva sombria em caso da eleição de Bolsonaro para a educação brasileira, que já enfrenta uma histórica desvalorização por sucessivos governos, há o que comemorar neste dia 15 de outubro, dia do professor: a conquista da Lei do Piso Salarial dos Professores (Lei nº 11.738/2008) e o Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei nº 13.005/2014.
Conforme o presidente da CNTE, a Lei do Piso ajudou a reduzir desigualdades regionais em educação, mas requer a mobilização permanente para que de fato saia do papel em todos os estados. E também para que seja aperfeiçoada, de modo a contemplar a evolução de professores que completaram a formação docente no ensino superior.
"Outra coisa importante é lutar pela implementação do PNE. Os artigos 9 e 10, sobre gestão democrática e financiamento da educação, são básicos. Qualquer proposta que seja pensada e não os leve em consideração seriam paliativos", diz Heleno.
Art. 9º Os estados, o Distrito Federal e os municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos âmbitos de atuação, no prazo de dois anos contado da publicação desta lei, adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade.
Art. 10. O plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios serãoformulados de maneira a assegurar a consignação de dotações orçamentárias compatíveis com as diretrizes, metas e estratégias deste PNE e com os respectivos planos de educação, a fim de viabilizar sua plena execução.
Plano Nacional de Educação 2014-2024