A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Estado da Paraíba - SINTEP-PB vêm a público manifestar o seu repúdio ao Projeto de Lei nº 6.787/2016, de autoria do Poder Executivo, aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 26 de abril de 2017, na forma do substitutivo apresentado pelo relator Deputado Rogério Marinho no âmbito da Comissão Especial criada para proferir parecer de mérito sobre a referida matéria. Essa proposição legislativa já foi enviada ao Senado Federal para apreciação e, nesta Casa, recebeu a denominação de PLC nº 38 de 2017. Encontra-se atualmente na Comissão de Assuntos Econômicos sob a relatoria do Senador Ricardo Ferraço.
A proposta de Reforma Trabalhista é um verdadeiro ataque ao Direito do Trabalho no Brasil! Ao listar a modificação de cerca de 200 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, ela corrompe completamente o arcabouço de proteção social que vigora no Brasil há mais de 70 anos, subvertendo a proteção social do trabalho. E esse objetivo ficou escancarado quando o site jornalístico inglês The Intercept denunciou que mais de 30% das emendas aceitas pelo relator e aprovadas na Câmara dos Deputados foram redigidas diretamente pelas confederações patronais brasileiras, expondo que a proposta de desmonte da proteção social do trabalho no Brasil vem para atender tão somente os interesses do capital. Estarrecedor como, nesse caso em particular, fica evidenciado que o Congresso Nacional brasileiro está totalmente capturado pelos interesses dos empregadores e, de forma acintosa, contrário aos direitos da grande maioria trabalhadora do país.
Aqui não se pretende esgotar a análise de todo esse desmonte do Direito do Trabalho no Brasil, na medida em que as alterações propostas, que agora serão apreciadas pelos senadores, tratam de questões afetas, dentre outras coisas, de alterações no processo de tramitação de ações na Justiça do Trabalho. Esses pontos de ordem jurídica, propriamente, serão avaliados em outra oportunidade. O que se pretende aqui, de uma maneira geral, é esmiuçar as alterações propostas no campo das relações de trabalho e seus impactos no direito sindical. As questões relativas ao direito processual do trabalho, que também são orientadas no sentido de diminuição de direitos dos trabalhadores e facilitação e ampliação da liberdade de ação dos empregadores, serão objeto de análise mais pormenorizada da assessoria jurídica da CNTE, em que pese não ser desejável a dissociação entre o direito material e o processual nas relações de trabalho.
· Relações de trabalho só para o patrão
O principal compromisso do Direito do Trabalho, e seu princípio norteador, é a proteção da parte mais fraca das relações de trabalho, que é o trabalhador. A ideia balizadora da proteção social do trabalho sempre foi a de estabelecer um conjunto mínimo de regras e normas que permitisse que, ao ser explorado pelo capital, o trabalhador pudesse minimamente contar com algum grau de proteção. Daí porque as maiores conquistas desse arcabouço de proteção vêm da própria força organizada dos trabalhadores, e isso se deu no mundo inteiro e também no Brasil.
A proposta legislativa de Reforma Trabalhista aprovada na Câmara dos Deputados diminui a proteção legal e normativa assegurada aos trabalhadores e aumenta as garantias dos empregadores/empresas nas relações de trabalho. Ou seja, aprofunda as diferenças de poder entre capital e trabalho, favorecendo sempre o primeiro. Ao longo do projeto, essa diminuição da proteção ao trabalhador, e o consequente majoramento das prerrogativas dos empregadores, é explicitamente colocado, sem nenhum pudor, em várias propostas de alteração da norma atualmente em vigor.
A mais extravagante das alterações, por exemplo, é a redefinição do conceito de empregador, que tem o intuito claro de liberar a fraude nas relações jurídicas de trabalho. Empresas do mesmo proprietário serão, agora, desresponsabilizadas por seus débitos trabalhistas e previdenciários que, porventura, qualquer uma delas possa ter. É a instituição definitiva dos “sócios laranjas” para dificultar a recuperação de débitos.
Outra questão estarrecedora é a ampliação de contratos de trabalho atípicos e de trabalho autônomo, regulamentando o teletrabalho e o trabalho intermitente, por exemplo. Essas duas modalidades põem fim, por exemplo, a uma luta dos trabalhadores ainda do século XIX, que é o descanso semanal remunerado. Agora, se aprovada essa barbaridade, o trabalhador exercerá o seu labor apenas nas horas contratadas pelo empregador, já que o período de inatividade não será considerado tempo de trabalho à disposição do empregador. Já o teletrabalho desresponsabiliza completamente qualquer espécie de vínculo entre empregado e empregador.
Mas essa alteração não fica pra trás de outra sugestão proposta nesse arremedo de Reforma altamente maléfica para o conjunto dos trabalhadores: a proposta de Reforma Trabalhista prevê contratos individuais de trabalho acordados de forma tácita, firmados verbalmente, por prazo indeterminado, para prestação de trabalho intermitente (!!!!). É a “lei da selva” agora no texto da lei.
Por fim, mas não menos trágico, a proposta de Reforma Trabalhista praticamente interdita o acesso do trabalhador portador de diploma de nível superior, que tenha rendimento igual ou superior a duas vezes o teto da Previdência Social (que hoje representa R$ 11.062,62) à Justiça do Trabalho, já que o libera da exigência de firmar suas condições de trabalho em acordo coletivo.
· Enfraquecimento dos sindicatos
A proposta apresentada afronta os princípios da liberdade e autonomia sindicais e, ao contrário, agride e contraria frontalmente disposições e recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Ao contrário do que se possa supor, a prevalência do negociado sobre o legislado é a completa destruição da base coletiva que funda e orienta o próprio Direito do Trabalho: os acordos ou convenções coletivas poderão se sobrepor à lei, por exemplo, nos seguintes pontos abaixo listados, dentre outros:
- Jornadas de trabalho, observados os limites constitucionais;
- Banco de horas;
- Intervalo intrajornada;
- Adesão ao Programa Seguro-Emprego;
- Representação dos trabalhadores no local de trabalho;
- Teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente;
- Troca de dia de feriado;
- Enquadramento do grau de insalubridade;
- Participação nos lucros e resultados das empresas – PLR;
- Prorrogação de jornadas em ambientes insalubres.
Essa ampla gama de possibilidades de negociação direta dos trabalhadores de uma empresa com o seu empregador, além de reduzir as garantias institucionais dos sindicatos e do Estado no âmbito das relações de trabalho, fragmenta as negociações coletivas ao fomentar as negociações por empresas. Fortalece o poder de negociação dos patrões e anula sobremaneira a força do trabalhador.
Outros importantes aspectos atacados nessa Reforma Trabalhista referem-se à diminuição do papel e da força do sindicato nas negociações: a representação por local de trabalho não precisa mais ser vinculada ao sindicato, podendo ser exercida por comissões nas empresas e locais de trabalho – essas comissões passam a exercer o papel dos sindicatos, na prática; qualquer espécie de contribuição sindical deverá ser expressamente autorizada pelo trabalhador – trata-se do fim do imposto sindical obrigatório sem nenhuma negociação com as entidades sindicais – ou seja: é um reforma sindical no âmbito da reforma trabalhista, feita para enfraquecer os sindicatos; na homologação da rescisão dos contratos de trabalho com mais de um ano de duração, não será mais necessária obrigatoriamente a presença do sindicato, bastando, agora, só a anuência da comissão ou do representante dos empregados; e, por fim, o PL prevê que a demissão coletiva possa ocorrer sem prévio aviso ao sindicato e tampouco formalização em acordo ou convenção coletiva.
Essa proposta de Reforma Trabalhista deixa o trabalhador absolutamente refém de seu empregador, sob seu total arbítrio: impõe o negociado sobre o legislado, fomentando acordos individuais; ataca a sustentação financeira das entidades sindicais, de modo a enfraquecê-las e, até, tornar insustentável a sua atividade; e incentiva a atomização dos trabalhadores que, em regime de terceirização, teletrabalho e trabalho intermitente, fragiliza sua ação sindical e pulveriza as suas possibilidades de enfrentamento com os empregadores.
· Fim tácito da Justiça do Trabalho
Os trabalhadores sempre lutaram por uma Justiça do Trabalho que seja promotora de condições mais igualitárias nas relações de trabalho. E a Reforma Trabalhista proposta pelo governo golpista ataca a Justiça do Trabalho naquilo que lhe é mais caro: a conciliação como promoção da pacificação do litígio.
Essa proposta de reforma, no entanto, esvazia as atribuições da Justiça do Trabalho e impõe muitas dificuldades para acessá-la, especialmente por parte dos trabalhadores, chegando ao cúmulo de cobrar multas abusivas aos empregados que, no texto da lei, agirem como “litigantes de má-fé” e impor custas judiciais ao empregado que faltar a alguma audiência, mas poupar e dar garantias ao empregador que fizer o mesmo.
O projeto incentiva a conciliação a qualquer custo, praticamente retirando a Justiça do Trabalho de qualquer esforço de arbitragem entre as partes. Os parâmetros da conciliação ficam, agora, a cargo da livre negociação entre trabalhador e empregador, como se iguais estivessem nas relações de poder. Retira, ao fim e ao cabo, o Estado – na figura da Justiça do Trabalho – do cenário de resolução dos conflitos sociais e laborais.
O acesso à Justiça do Trabalho passa a ser extremamente dificultado porque prevê a cobrança de perícias e restringe o acesso gratuito a ela. E é justamente nesse ambiente que as normas fundamentais de proteção ao trabalho encontram espaço para serem exigidas pela parte mais fraca da relação de trabalho. A supressão desse espaço significa, na prática, retirar dos trabalhadores a possibilidade de exercício e respeito às normas inscritas em nossa Constituição Cidadã.
· Impactos no setor público e, em especial, para os trabalhadores em educação
A proposta de Reforma Trabalhista em apreciação, agora, no Senado Federal, também atinge com muita força os trabalhadores do setor público e, em especial, os trabalhadores da educação. O aspecto mais nocivo aos educadores advém justamente de uma parte da reforma que já foi aprovada: a nova lei da terceirização foi o pontapé inicial dessa reforma.
Junto com o trabalho intermitente, essa nova modalidade de contrato de trabalho proposta no texto da reforma possibilita a contratação de professores e funcionários horistas (e por meio de Organizações Sociais), pondo em risco, seriamente, a conquista histórica de admissão desses profissionais por meio de concursos públicos.
No caso do magistério, por exemplo, os/as professores/as poderão ser contratados/as para cumprir somente as suas horas-aulas. Isso quer dizer que os gestores públicos poderão lançar mão desse tipo de contratação de professores/as para não criar vínculos com esses profissionais nos Estados e municípios, de modo que suas atividades se restrinjam somente às atividades em sala de aula e por período atrelado estritamente ao calendário escolar.
Os argumentos para esse novo tipo de contratação de profissionais do magistério já estão prontos para serem aplicados: os impactos dos gastos com o pessoal da educação na folha de pagamento dos Estados e municípios, junto com a Lei de Responsabilidade Fiscal, serão usados para consolidar a base “técnica” de justificação para precarizar as relações de trabalho na educação.
A imposição desse tipo de contratação virá junto com o fim de diversos direitos dos trabalhadores: 13º salário, férias e planos de carreira poderão ser os primeiros a ficar no passado. Ademais, a hora-atividade (extraclasse) e o piso remuneratório nacional também correm riscos no cenário de contratos intermitentes, visto que será possível contratar professores/as com remuneração abaixo do piso profissional, ainda que mantida a proporcionalidade à referência nacional hoje de R$ 2.298,80.
Portanto, é imperativo que os educadores/as brasileiros/as se mobilizem de forma contundente e radical para barrar esse cenário catastrófico, que põe por terra direitos arduamente conquistados.
· Considerações finais de um desmonte
É incrível como não há nada de positivo nesse arremedo de projeto de Reforma Trabalhista. Nenhum direito é criado ou fortalecido para o trabalhador. O que se vê no projeto é a total destruição do Direito do Trabalho no Brasil, sob a encomenda dos empregadores, patrocinada por um governo ilegítimo que se presta tão-somente a pagar a fatura dos setores empresariais brasileiros que patrocinaram o golpe de 2016 contra a democracia os direitos da classe trabalhadora.
Trata-se de um desmanche completo dos direitos trabalhistas e da Justiça do Trabalho, e de surpresa, destrói ainda a sustentação financeira das entidades sindicais de trabalhadores, as únicas que podem, de alguma maneira, fazer o enfrentamento a esse desmonte. É um movimento de destruição que sequer foi ousado ser feito pelos governos militares da época da ditadura civil-militar pela qual o país passou de 1964 a 1985.
Diante desse descalabro, os/as educadores/as brasileiros/as cerram fileiras junto aos amplos e expressivos segmentos sociais atingidos por esse saco de maldades, especialmente os mais pobres e desguarnecidos do ainda incipiente estado de proteção social, e todo o seu arcabouço jurídico, ainda existente no país, fruto de muita luta de seus trabalhadores. É evidente que os parlamentares e o governo golpista que estão a promover tal atrocidade cometem um verdadeiro crime de lesa-pátria e devem ser cobrados por isso.
Brasília, 10 de maio de 2017
Diretoria Executiva da CNTE